quarta-feira, 5 de agosto de 2009

"é sobrehumano amar"
José Miguel Wisnik

VIRAR LATAS

Amar, meu amigo, minha amiga, é coisa de bicho.
é ato cavalar, coisa de ornitorrincar o ser. e girafear, rinocerontear, formiguear, tamanduzear a criatura. é de fato um rato dentro do cérebro, um tatu voando e intercedendo em todos os vôos aéreos dos vôomotores e dos mais leves nossos sonhos etéreos.
Amar é o fim.
minha amiga, meu amigo, não há final quando se começa a amar. e não há recomeço. te digo pois sei o que hoje sou e não mais me alturo, larguro, peso: eu não me meço. e não me aturo, me largo, me peço.
Amar é vibrar em outro universo.
onde já não há: métrica nem rima, princípios ou consensos, pudor e falsa estima, fedor e catequese, fulgor e covardia, de tudo disso se esquece. agora, já dentro do amor, tudo é o mesmo que nada, a flor da alfazema ou o estrume na estrada, a mágica de um poema ou a perjura mais desgraçada.
Amar é virar latas.
sem se importar com as valas comuns, com as réstias de relas fétidas, com as feridas mais infames que são as que guardamos dentro, não as que se revelam. sem se tornar um cão sem dono ou um raivoso prestes à carrocinha de cachorros. amar é revirar os intestinos e o estômago. e trazer tudo à boca: tudo o que é sagrado e profano, sem medo de suspiros ou vômitos. sem querer saber se a próxima parada é avulsa ou definitiva. sem querer. mas ainda querendo muito.
Amar, minha amiga, meu amigo, é desprezo do destino.
e porque não o homem alegre, a mulher feliz? não. amar é ser obrigado a viver a vida desenhando todo dia, a cada infinito dia, rabiscando na carne uma a unha, a cada gesto, uma nova cicatriz. é coisa de demente rente ao abismo ou de um ser dormente que repousa a fronte na pedra de sacrifício e mesmos assim ainda mente.
Amar não requer nada. e quer tudo. amar é tanto para mendigos com para abastados. todos burros, todos imbecís, todos canhestros.
Amar não é para inteligentes, não é para nichos.
Amar, queridos, é coisa de bichos.



marco/04.08.2009.

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