segunda-feira, 19 de outubro de 2009

MÍNGUA

abri porões e sótãos e neles arcas e armários e baús e nestes gavetas e escaninhos e até fundos falsos. abri anos e anos, tempos e tempos, sentimentos já sem sentido, sentidos já esquecidos, esquecimentos que merecem ser lembrados, lembranças de tempos e anos e vidas atrás.
[às vezes parece que já tive muitas vidas, nesta só. vai ver que é por aí que muitos crêem e sentem outras vidas em si. e sempre me pergunto porque não me tocam, nunca, as minhas vidas futuras.]
abri as narinas e os ouvidos e os poros e as papilas e as pupilas e em tudo que me invadiu me viu numa vida que nem sei se foi a minha, se me é própria, apropriada ao que penso que sou hoje, ao que fugi do ontem, ao que poderia me ver amanhã. pilhéria pura, descompasso de palavras na boca crua da manhã que quer saber mais é de ganhar algum dinheiro que seja limpo ou sujo mas que valha uma rodada de birita ou a metade do aluguel ou a deitada de uma puta ou uma pastel de feira em plena quarta-feira no centro de uma avenida.
penei mais de cinqüenta anos para escrever bem e bonito. então não me venham com tremas do word window ou com a melhor reforma ortográfica, eu nem te ligo.
fechei as abas e os olhos e os tímpanos e a boca e as hastes e bandeiras e recolhi as mãos e os olhares e os pensamentos e me desfiz dos adeuses e não soletrei novas boas vindas e me agachei para execrar meu ódio e minhas paixões, entre minhas pernas, não em um buraco mas em um abismo para que de minhas merdas nem vestígios nem remelas nem mesmo restassem ínguas.
hoje sei, só sou humano porque ainda alguém tem, guardar de mim, pra mim, alguns números: senhas para dorsais decúbitos.
preferiria as cinzas.

marco/19/10/2009.

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