domingo, 30 de agosto de 2009

INCENSO

dona louca que me dá seus pavilhões de orelhas e que me secreta e espelha em estojos de pó de arroz, como se fosse minha, minha cria, minha criação. feita se fosse a rinha aonde eu iria enfim a mim desafiar.
serva troncha, sacerdotisa erotizada que me reza as lágrimas e as risadas nos dias de chuva, nas noites desanuviadas, que me serve não caldos mas saladas, que me serve não carne mas palavras, que me serve de tudo e de nada.
eu te digo: meu berço é no avesso do meu próprio espelho, minha fronte mira a fonte de onde descomeço, meu terço é duplo, é múltiplo, é um arremesso como do pescador a rede em busca de peixe mas também do medo, para matar a fome tanto quanto o receio, que em ambos eu me desmeço , como é clara a noite do inocente vão e é negrume o dia do vil perverso.
te meço: coisa que me surge assim em meu endereço, tem um timbre pálido no destinatário, tem um gesto anônimo, que é meu sinônimo, eu que não dou nome aos uns, aos eles, aos elas, aos eus, aos dois. eu que me subjugo e que me sobrepujo, eu que conto as minhas lendas nesse alfarrábio roxo de tantas incelenças, amarelo ouro de tantos beijos monstros de paixão e desejo e vastidão de amor, beijos com requintes de saudade extrema, de carência de estima, de ternura que ainda procura a sua rima. eu que cato minhas prendas nas migalhas dos olhos de quem me quer mal, de quem me quer bom, de quem me quiser, enfim. eu que soletro uma a uma as letras de um acróstico mas não lhe dou um nome, não lhe dou um fim.
sem ter rumo , de tanta liberdade, o amor me diz tchau e segue puro mesmo manchado de nódoas de mentiras e inverdades, sempre cicatrizando o corpo dos cortes, interrupções e reticências, desmagoando a alma de golpes e pancadas, de seres e de estados.
coiso mestiço de imprudência, virulência e maus modos, cheia de indulgência, curiosidade e vertigem, sua coisa me invade. sei que não te pertenço e não te tenho em mim, é esse nosso laço. você não me persegue e eu sequer te caço. nós somos dois ateus beijando a mesma cruz.
e se você me quer eu te mereço. sou sol e pus, contra ou a favor do vento, sem lenço, nesse documento, te abraço.


marco/30.08.2009.

Um comentário:

  1. Na minha caixa de bordados, há mais tesoura do que linha, mais alfinetes que agulhas (neste palheiro, ainda hei de encontrá-las). Na minha caixa de música dança solitária bailarina, guardiã silenciosa de meus segredos. Da cartola me saltam véus, fitas coloridas, rãs, cobras e lagartos. Na minha caixa de guardados, pequenos delitos, lenços molhados, risos de batom vermelho, madrepérolas, retalhos de sonho, quinquilharias, jóias falsas, vidrilhos, bijuterias baratas.
    Sente-se à minha mesa, nosso banquete será farto: aguardente e pão sovado, socado à murro. Divido com você as migalhas que me cabem. Aceito e correspondo o seu abraço, seja benvindo ao meu colo decotado.

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