segunda-feira, 2 de novembro de 2009


MANDALA

Levo aonde quer que for minha mandala sagrada e que por mais que exposta será sempre secreta. Nela dormem, germinam e se renovam os mais finos e densos pólens, os mais íntimos e vulgares movimentos cíclicos dos meus avatares. Em minha mandala o meu tântrico e a minha cabala, os pensamentos cínicos e os anseios singulares, o movimento sísmico e um nunca acabar de espreguiçares. Vivo, sou o mais o mais rétil e o mais langüezo, o mais réptil e o mais inseto, o mais estranho e o mais teu conhecido, teu vizinho quase amigo, teu amante quase amor, teu prestidigitador. Quando morto sou zil zeros além da vírgula e sempre, até para mim, será difícil alcançar este meu menos infinito. Às vezes, a morte me cala. É que às vezes eu morro sim, assim como quem não quer nada, me deixo levar na enxurrada, vazo pelas bocas de lobos, pelos ralos, pelas valas, pelos vãos no covil do vil poderoso, pelas vinhas nas campanhas dos mais sábios larápios. Deito e rolo sem eira nem teia nem veia, sem telha, aranha ou segunda-feira para começar a semana. Quando eu morro sou de uma timidez tamanha que nem te visito: sei onde estás, sei tua sombra, sei o caminho. Mas me apego só ao que tu me deste, não ao que posso querer escondido. E o que era vidro e se quebrou me corta os olhos imediatamente, quando acordo de minhas mortes não há sinal dos infernos em minhas vestes. Volto a ser aquele ser soberano que diz que te ama, prova que é verdade, roga teu carinho. No entanto em minha mandala guardo a febre e a dor de todas as pestes, trago os climas das monções, o terror das pragas e a poesia mais amarga que é essa, a do meu amor agreste. Quando morto tenho a vida que me desmente, quando morto nada tenho e não sou quem sente. Quando vivo quero o infinito a dente e olho, quando morto tenho o consolo de não precisar mais ser prudente. Minha mandala é o centro do alvo de quem sou e sempre serei. Minha mandala é o centro da alma de quem quer que eu venha a ser além.

marco/02.11.2009.

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