segunda-feira, 27 de abril de 2009

TE VELO: SOU UM VELEIRO.

Como não tenho te olhado, nem você a mim
como não tenho me molhado nem de saliva de beijo nem de batom de carmim
como me tem assaltado a chuva e a solidão e a penúria de amor e o desespero dos ventos
e me atropelado o destempero do tempo, feito mar tenso, se derramando nas praias e causando ruínas.
Como não tenho me olhado bem, nem mal, e nem você a mim, segue um texto de alguém, que nem sei onde está, mas que suas palavras estão em mim:


Guardar

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa de vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.



Antonio Cicero

Nenhum comentário:

Postar um comentário