quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

















CONDOMÍNIO

preciso aprender coisas simples:
mentir com humildade,
trepar sem amor,
dever para ter crédito.


porque com arrogância
a mentira não convence;
porque basta um pouco
de tesão
para preservar a espécie;
porque sem ter
o que me cobrar
você me esquece.

preciso treinar coisas óbvias:
dia e noite, nascer e morrer,
frio e calor, solidão e multidão,
achar, lembrar, perder e esquecer.


e no final da ata,
o que ocorrer.

marco/05.01.2010.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010


AMAR É RAMA

Desde sempre coleciono versos, trechos, poemas, daqueles arrebatados de amor ou paixão, de sentimentos em combustão de si mesmos. Um amigo me disse que sou um irrecuperável romântico preso em um tango sem final, em um bolero desmedido demais para ser verdade. Mas é fato que desde sempre me remoo nas lembranças dessas orações, essas frases, essas palavras que me agradam e sensibilizam as retinas e os olhos, os poros e a pele, os ossos e suas articulações, os pavilhões e os ouvidos, as papilas, língua, garganta, traqueia e tudo mais que vem abaixo, ou ao lado ou à frente, nesse caminho entre os sete buracos da cabeça e outros mais recônditos porém não reticentes.
Desde sempre seleciono amores e paixões em escaninhos estanques da vida. Se alguns se parecem ou tem alguma sintonia entre eles e elas, outras e outros nem espelham que se referiam a mesma minha pessoa. Mas nada como o olor e o sabor de uma embriagadora ilusão para trazer luz, mesmo por instantes, àquele desgraçado coração. Nada como o nunca para suscitar promessas de alguma, naquele desgarrado coração.
Desde sempre tenho o olhar lince para olhos fulminantes, coxas grossas, sorrisos gratos, saias justas, mocotós graúdos. Qualquer lance às vezes torna-se o portal do paraíso, o rumo do descaminho, que se não der em beijo e carinho, em cama e suor, em nuvem e espinho, em hino em fá maior, pelo menos vai deixar um verso de bolero, uma rima de balada, um ritmo de samba no desengonçado coração.
Desde que o mundo é meu que intenciono ser o mais belo poeta do universo, já que não posso ser o poeta mais belo: perco de dez para castro alves e talvez empate com noel rosa. mas já me bastam deles as companhias nesse absurdo embate.
Desde sempre dedico versos a criaturas femininas, depois aprendi a respeitar os mais velhos e me curvei sobre os que me fizeram e construíram, além de oferecer a gratidão aos amigos que se postaram e chegaram a mim e eu a eles.
Desde sempre quis ter um bem para quem quer que fosse que me inspirasse afeição. Hoje, incrédulo, vejo que sigo assim, mesmo descrente de maravilhas, ainda um homem rente a absurdos e no entanto crente do seu vulgar mas sagrado moto perpétuo: amar. e se enredar, e me enramar.

marco/21.12.2009.

domingo, 3 de janeiro de 2010


TRÊS TRECHOS

FALTA MINHA
me faz falta um encosto de pele deslizando, um encontro, a boca muda mas sedenta, os olhos densos não de lágrima mas de luz. tento mas não acho mais, acho que não lembro da primeira nem muito menos da última vez em que me senti assim: intenso e perplexo, tenso na medida exata do reflexo, sendo senda e recebendo dádiva, entendendo o sentido do amor, sentindo o sentimento de estar no ar sem voar, em uma centelha de momento saber um universo de carinho.
me faz falta sonhar.

MEA MEIA CULPA (Romance Policial)
às vezes esqueço o nomes das pessoas. os rostos, de quando em vez. os corpos quase nunca. mas é difícil localizar um corpo sem rosto e sem nome. somente pela arcada dentária ou pelas impressões digitais, histórias policiais. se bem que as tais impressões corporais também são únicas, pessoais e intransferíveis. só que tem que: recorrer a seus atos para serem identificadas, ou seja, o suspeito tornando ao lugar do crime.
então tá: vou declarar que você deixou pistas, epitélios, pelos, dna. você deixou suor, lágrima, batom, música no ar, cheiro intenso.
já dei meu depoimento. aguardo você voltar e confessar. sei que é nossa a culpa. por isso não posso pagar a pena sozinho. vou requerer prisão conjunta.

QUAL METADE?
se fosse possível escolher, nem saberia a qual meu voto daria: querer a metade do sonho sonhado ou a outra parte, sem final certo, ao deus dará a dinastia de minhas ilusões e desvarios? assim como não como nada disso de parte da frente sem parte de trás, ou você é inteira ou vá virar moeda e jogar cara e coroa, procura outra alma crédula e dela faz sua fonte de prendas, sua fonte de renda, sua fronte em frente que acredite em suas lendas.
se fosse assim, e não nunca é passível julgar, nem poderia da ação para a palavra transliterar.
na verdade, só quero e gostaria de poder amar um amor simples e cheio do poder do alimento que nos traz o prazer, o tesão, a alegria, que se surpreende em um amor pleno de vida, querendo mais dias, e noites, e gentes e planos e cardápios e dentro desta mais outras vidas. porque somos sós mas somos múltiplos. se for algum dia possível, eu quero dividir uma nossa semente: suma seja nós; soma seja a gente. depois alguém escolhe, alguém colhe, o que prestou, o que deu sabor, a partir dessas almas perenes.
(quando te escolhi esqueci de anotar que só queria você só e somente você, simplesmente.)

marco/03.01.2010.

POEMA DO ANO DEZ

que o novo ano
seja um ovo

chocante.

verde, azul ou rosa,

como aqueles dos bares

das rodoviárias.

mas que seja também

um torso

constante

verde e rosa ou azul

e que ele te leve

longe das barbáries,

das intempéries e

das políticas que não tem

amor como raiz.

que o novo calendário

seja um ideário

que possa se realizar;

que o seu amor
seja possível de amar;
que esses mais outros dias
sejam de se rever

aquilo que se recusou
a reconstruir.

que a gente possa ter
um estojo

onde guarde grafite, tinta e borracha
e saiba gravar o que é sempre,

o que é provisório,

o que é definitivamente

agradável ou nojo,

imprescindível ou descarte.

que a gente,

toda gente,
possa ver a luz do próximo dia
sem maldizer

mais um dia que nasceu.

que a gente
quando for fazer mais gente

que saiba que isso

inclui: amor, paz, carinho, zelo e

sustentabilidade.


quero dizer: não adianta
eu morrer por você,

eu parir alguém,

sem necessidade.

quero dizer:
que o novo ano

seja um ano novo,

um ovo
de colombo.

marco.2009/2010.