segunda-feira, 30 de novembro de 2009


QUERO ALGUÉM

quero alguém com quem repartir minhas riquezas: música, poesia, sensibilidade à flor dos poros, corpo gasto mas sábio, alma farta mas cabível de novos astrolábios, palavras para repetir e reinventar, carinhos máximos como aqueles com que sonham os prisioneiros e os outros que ainda não os adivinharam, embora sejam os mais livres dos hereges e cristãos. quero alguém com quem dividir minhas despesas: a dor que advém da crença em falsas lendas; a responsabilidade de não iludir ninguém; o peso da carga inúmera que se esquarteja em mil sílabas, a cada palavra dada, a toda sentença recebida; e outras inumeráveis minúcias do ser e do estar, pedras ou espinhos na estrada, serras ou desertos no caminho. quero alguém sincero no riso ou no choro, de quem possa me despedir ou dar bom dia sem um versículo de dúvida que nós somos os mesmos, na ida e na volta, no grito ou na canção, na dor ou na luxúria, no rente do normal ou na mais temente coisa espúria. quero alguém que me valha, que me saiba, que risque o fogo em minha palha e depois me arremesse águas, que me arregace a alma, me cure e desespere, me desfrute e que prospere junto a mim. como musgo em nossas pedras fundamentais, lodo em nosso solo de humanidade, bolor que traz para a vida a penicilina e não a escatológica virose fatal. porque estamos vivos e neste ato quero um alguém soberano sem ser ditador, rainha sem se fazer de déspota, quero uma mulher linda porque saberá ter beleza de ser e de estar com aquele outro ser que lhe gosta, porque saberá lindamente amadurecer diante de quem saberá usufruir do seu sabor porque te ama e exclama.

marco/29.11.2009.

domingo, 29 de novembro de 2009


MINHA ALMA CANTA

minha palavra cata uma ínfima notícia em uma partícula de suor dentro de um teu poro, suspira essa umidade e sublima o que seria a emoção. minha palavra se escalavra querendo ser íntima daquele teu mais secreto acontecimento, aquele que você sentiu mas somente deixou uma pista e não um poema concreto, nada de manchete no jornal. minha palavra vibra ter uma unidade com você: sabendo da insuportável insegurança da separação e do inevitável alívio de estar só. minha palavra cunha a unha e dente justiças, vinganças, bonanças, e mil outras coisas castiças ou malgradas, salga os chãos, nubla os éteres, depois almalgama todas as sílabas nascidas do destemperamento e cria enfim uma nova expressão de cores, luzes, sabores, cheiros, toques, paladares: minha palavra irá te encontrar sempre e sempre, não importa em que fresta minúscula, em que caverna oculta abaixo do nível do mar, não se esgota a sanha e a façanha de rever e recriar e refazer e reir e revoltar. minha palavra é meu sétimo selo. quando te penso sei o todo, o princípio e o fim do novelo. minha palavra é alma quando te toma para mim, quando a vida é um extremoso sim.
marco/29.11.2009.

 ATRAVESSO

mas qual é a diferença entre a mágica e a feitiçaria, a mesma entre a prática e a teoria? a cesta básica do amor é mais drástica ou dramática do que o fim de feira da periferia? por que me envenena os sentidos esse brilho de olhos que olham e não me adivinham? será destino ou magia o que mora em minha vida e não vive em seu dia a dia, será desvio ou rotina a próxima emergência, irá como mera ardência e voltará como extrema alergia?
qual será a semelhança entre a feiticeira e a maga, o que as une ou afasta, o que as diferencia? e o que delas cia em mim animalescamente? as fórmulas, as rezas, as pragas ou serão as profecias? e o que delas em mim gane assim tão dilacerada voz ou uivo? cheio de interrogações e dúvidas, preso a tantas perguntas, hoje e agora me despeço, nem primeiro e nem penúltimo, nem respondo nem promesso, faço suas as minhas súplicas. meu amor é meu avesso.

marco/29.11.2009

sexta-feira, 27 de novembro de 2009


MEUS EUS

quero todas as memórias, se possível em cataratas, para chorar de vez o que se foi e, depois, revoltar os instintos – aqueles dos mais ariscos bichos – despertar os indícios do que poderá, de futuro, me advir.

quero todas as histórias, as misérias, os lábaros, os mistérios, os mapas, os minérios, as previsões do tempo, as profecias desacontecidas, os méritos sem glória, quero todos os poemas escritos em úmidos guardanapos, quero todas a as idades, anuidades, de todos os clubes, de cada gueto, do mesmo cartão, de cada ano vivido à esmo. quero todas as cidades, inclusive e peremptoriamente as que não conheço.
quero um amor louco de pedra, feição de fedra em leito de apolo. quero amar feito uma lesma sua sua desconcertante linha, às vezes parecendo indecisa, outras retilínea como a vespa, mas que sabe aonde vai e sempre chega, aonde quer que venha a chegar, porque é da vida sermos curvas e arestas. por que por maior que seja a mentira, quando alguém se fia, torna-se ela verdadeira.
e o verdadeiro amor não é o que cabe em si mas o que mais navega. e o mais sincero bem é aquele que te dá um braço pra não perder a perna. pois que poderá caminhar e te encontrar e ainda te abraçar e com cinco dedos te indicar o próximo caminho para uma outra promessa.
quero todo o infinito para fazer um currículo do universo. mentira: queria mesmo é ter os seus olhos nos meus, reter seus carinhos, sentir que o astrolábio indica o que é nosso e não o que sempre se perde nos horizontes entre luzes de vitórias e os caos dos apogeus.

marco/26.11.2009.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

TE QUERO

Queria te falar uma coisa da forma mais singela, ferrenha e amorosamente sincera. Gosto de pessoas sensíveis, de gentes sonhadoras, de criaturas vividas e vívidas, de mulheres bonitas, de esmalte vermelho, de quem sabe o que é e tem lugar para tudo em seu dia a dia: sua possível tristeza, sua benevolência ou rudeza, seu flagrante ou discreto charme. Gosto de quem me olha com bons olhos, generosos olhos de quem me lança ao além, de quem não me abate.

Queria te falar umas palavras sem rima, coisa de poeta sem oficina, troço de homem que já passou sua dose de carnificina na vida. E não quer mais se arriscar, não pode se deixar levar, não cede nem mais um centímetro além daquele que separa meu desejo do seu penhoar. Queria te falar que eu te gosto muito e por isso mesmo meu querer é justo. Por não querer ser além do que ele é, por ter a liberdade de existir sem ter que te possuir, pela beleza de saber que melhor é uma amiga nas mãos do que dois amores voando.

Queria te falar aquilo que nós todos somos, pelo menos uma vez, às vezes dezenas, centenas ou milhares de vezes: andorinhas sós que fazem seus invernos ou verões solitários ou cheios de voos conformados. Queria te falar que é muito bom te olhar e te ver sorrindo, que é lindo poder te encontrar e poder estar, mesmo à margem, nos caminhos por onde você vai indo.

Queria te falar, sinceramente, que você é um sol e que eu gosto de quentura, de grandes luzes, de boas sombras. E que, aqui ou alhures, conto com sua luz, canto em seus versos, quero sempre estar perto de qualquer coisa que me conduz à liberdade, seja um crente sinal da cruz ou um barco singrando em mar aberto. Queria te falar que te quero.


marco/24.11.2009.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009




IDADE MADURA

não se afeiçõe de mim
eu não sou flor
que se plante
não me queira em seu jardim

mas se veio a afinidade
tente driblar os meus passos
tente não ser do meu jeito
embora esteja ao meu lado

tente não ver meus defeitos
pense em outros abraços
só permaneça comigo
se for mesmo inevitável

não se acostume comigo

do meu amor
não se encante

nem me queira seu amigo

mas se for necessidade

tente afinar meus compassos
quente não ser complacente

mesmo ficando ao meu lado

tente não crer nos meus erros

pense em pôncio pilatos
só envelheça comigo
se for mesmo necessário.

marco valença/30.10.2009.

Bilhete arrancado de uma agenda do ano 2000

Após uma linda noite de show de música e autógrafos de novos livros, encontro o velho amigo, protagonista, num canto recolhido do camarim: O que foi, não foi bom, o que é que houve ou deixou de haver? E ele me diz: Tudo perfeito, tudo ótimo, até demais, só estou aqui choramingando porque, nessa altura do campeonato da vida é imensamente gratificante mais uma vitória mas é definitivamente cruel não ter com quem a dividir.

 Pois é, amigo velho, me sinto hoje assim. Qualquer coisa boa, qualquer lembrança, história, ilusão à tõa, pressentimentos, não tenho ninguém com quem partilhar. Nem o mais novo poema ou letra de música ou o último broto daquela samambaia mais antiga. Não pelos amigos, que ora são muitos, outras horas raros; não pelos familiares que no meu caso são dois; não pelo público que varia, você sabe, de belas borboletas a moscas varejeiras.


Não, o que é realmente difícil é não ter com quem fazer guerra ou chorar no mesmo travesseiro.


marco/18.11.2009.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

UM SOL

Tenho em mim um sol com seu absurdamente grande e óbvio calor e de resplandecência extremamente bela. Tenho em mim a luz que faz a vida prosperar, o que faz haver vida, que faz a vida ser sentida e ter sentido.
Esse meu sol é o mesmo que habita em todos os seres vivos mas este, aqui na minha mão, aqui na minha pele, aqui na minha alma: é o meu sol íntimo.
É de todos os que ele ilumina mas é só meu, este sol que me renasce a todo dia.
Essa luz que se parece com esperança, que se estremece como criança parida, essa força que dá força à terra e dos brotos se revela em clorofila. Essa coisa que faz levantar os potros, os bezerros e as novilhas, esse maremoto de energia que me faz amar e fazer do amor minha sentença e alma e carapuça e armadilha.
Tenho em mim um sol que não tem domicílio somente em meu coração de leão como também na ponta dos meus cílios: cada vez que vejo, cada vez que pisco, cada vez que choro é no meu sol que brilha a minha lágrima, nele se espraia meu abalo sísmico, é nesse sol que espelho o meu ser amante, prazeroso e difícil.
Meu sol é a minha maior realidade e o meu mais real artifício.
Tenho em mim uma luz de sol que quer resplandecer para além dos problemas, emblemas, doenças e sacrifícios.
Quero um verão pleno de pomares repletos de mangas e umbús e laranjas e a abóboras e chuchús e goiabas e tamarindos. Quero a luz do sol em todos os idosos, em todos os medrosos, em todos os corajosos, em todos os anciãos e em todos os meninos.
Tenho um desejo de sol que ultrapassa as noções de dia e noite, que envolve as porções de noite e dia, que dissolve os teoremas e resolve com luz e felicidade um novo bom dia.
Tenho em mim um sol que te ama, que me ama, que quer fazer da gente uma eterna poesia.

marco/16.11.2009.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009


SEM SACAROSE

Gosto de beijos e palavras.
Às vezes secas, outras molhadas, às vezes ternos, outras apaixonados.
O meu texto preferido é aquele agressivo sem deixar de ser simpático, irônico sem chegar a ser cínico.
O meu beijo predileto é o justo, encaixe sem sobras embora use, abuse e lambuze nossas bocas.
Gosto de novas e velhas bossas, boleros derramados, assuntos místicos, ângulos obtusos, quadrados, círculos e quadriláteros.
Aprecio palavras e expressões de duplo sentido como : "rio" e o "pau vai comer". Beijos, tenho gosto por uns que parecem águas transbordando, mas também os cálidos e silenciosos também me agradam, além dos famintos.
As palavras que tem fome me fascinam de forma ímpar: "devorar", "deglutir". Se são verbos ainda melhor pois há possibilidades muitas onde me devorarás ou eu te deglutiria.
Adoro palavras e beijos: as palavras pelas sílabas e expressões idiomáticas; os beijos pelos lábios e línguas.
A primeira vez que tentei falar francês, me estrepei. A primeira vez que tentei beijar francesa eu trepei.
A linguagem é a melhor forma de beijo e o beijo é a melhor tradução de qualquer linguagem.
Sem sacanagem:
Gosto de beijos e palavras.
De beijos sinceros e de palavras exatas.

marco/11.11.2009.

domingo, 8 de novembro de 2009


VÍRGULAS E RETICÊNCIAS

o melhor de amar e escrever,
é poder ser grave e solene,
mentir ou iludir conforme a fase,
conforme a frase,
déspota ou indigente,
ter o poder de poder,
disfarçar as rugas nos olhos,
ocultar os sentimentos,
por vírgulas em todos os versos,
que não necessitam deles,
o mesmo melhor de amar e ser poeta,
é saber brincar com destinos,
voltar a ser menino,
sofrer de dor de cotovelo,
se embolar nesse novelo,
sem ser gato ou fuso,
é querer um horizonte,
mesmo que seja a parede,
ou a porta em frente,
e não escalar os montes,
morros, montanhas,
não descansar nos lagos,
e se esforçar nos mares, nas marés,
piscinas olímpicas e outras atividades,
menos físicas e mais mediúnicas,
mais para tísicas do que para saúdes,
o bom de poder tocar esse instrumento,
que é tocar as palavras como um bando,
de cordeiros ou ovelhas,
uma vara de porcos, uma colméia de abelhas,
dizendo o óbvio e ditando,
o próximo evangelho,
com base naquele mesmo velho ditame,
que diz que é vinho o que é sangue,
que será sangue o que hoje é vinho,
que cada instante é,
íntimo e preciso,
especial e definido,
que cada palavra poderá,
a cada segundo,
ser um silêncio definitivo...

marco/8.11.2009.

ESQUETE

meu coração hoje em dia é deserto insalubre, deserto gelado e não de febre, deserto sem horizontes, sem limites, sem oásis, sem fogueiras ou fontes, certo de que o fim há de vir, qualquer dia desses, e espera que esse dia seja o mais próximo possível da minha última palavra sim.meu coração ontem em dia cada vez mais era um músculo do que um nervo sensível. estou ficando duro, obtuso, mudo diante da realidade. hoje sou um homem maduro em que os pelos escuros, de um dia para o outro, se revelam brancos. e estou falando não só da cabeça mas também das mãos, braços, barba, peito, narinas, pentelhos e cuelhos.
meu coração envelheceu sem pontes. por isso, talvez, hoje ele não se leva a nada. meu coração ateu não tem força nem propriedade para acreditar em mais nada. nem acreditar em mais tudo. muito menos creditar à alguma coisa a se chamar destino a sua pobre e pequena desgraça.
hoje meu coração é sem graça. não te pega na mão, não te diz um gracejo, não te leva para o sofá, muito menos para a cama no quarto dos fundos aonde essa hora ninguém vai lá mesmo. hoje meu coração despreza furacões, desdenha de paixões, se ri de tusinames, repele amor de pele, afronta legiões para se manter incólume e solitário e desgraçado e desassombrado de sua mesma espécie.
meu coração hoje é um troço escroto, um rei morto sobre os braços de sua plebe.

marco/7.11.2009.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009


HOMICÍDIO CULPOSO


não, eu não vou te matar com um tiro na nuca (não vou chegar tão perto), não vou jurar que você era a única (mas sem ser indiscreto), que me traía (e que eu sabia), não vou dizer que mais nunca irei amar alguém (sou infeliz mas não sou louco ao ponto de ficar maluco).
não, eu não sou de matar assim, nem me vingo do amor mal amado com ciscos de lâminas ou chumbo grosso. sou daqueles que se acalmam mas nunca se esquecem. sou um cara que deixa sua marra pra depois, quando você menos esperar: surpresa má.
sou uma criatura sem mágoas mas com um senso de justiça pouco peculiar, principalmente ao poder público judiciário, notóriamente injusto e ineficiente. sou uma pessoa que te quer dente por olho, fio por pavio, rente por pentes de metralhadoras no teu coração, teu coração sempre ardente.
não, eu não escrevo só pra te matar. quero te assassinar de outro jeito, acho que você merece maiores requintes de torturas e sacrifícios, para ver esse amor morrer. para ver nesse amor quem mente, quem é cleópatra e quem é serpente. a mim me apetece um homicídio cheio de resquícios, indícios palpáveis e psicológicos, parapsicológicos, prenúncios cólicos não lógicos, enxurradas de pistas encriminatórias que tem o amor como vítima.
não, eu não te enterro assim, simplesmente, apedrejada e basta? não, quero mais ferros em brasas e tridentes, preparo a cova rasa e as iscas para os roedores e as moscas, não há de restar nem casca das suas sementes. sou do clã dos ingênuos homicidas, dos homens bombas feéricos, dos camicases coléricos, dos suicidas macambúzios que só se finitam após liquidarem muitos.
é um custo te esperar morrer. em mim. é como se nunca tivesse fim a hora agônica entre a tarde e a noite, é como se fosse um eterno e brusco lusco-fusco.
eu nem te queria dizer que dói, nem queria te lembrar que tudo isso se passa a sós.
eu nem te queria mais viver ou matar ou morrer ou renascer. Mas olha o que fiz!: ignóbia tentativa de transformar giz em sangue, otária ardileza que pretende comungar hóstia e mangue, obtusa violência que só fere a quem mais se quer ver incólume.
nem te queria mais, no entanto ainda te carrego em minha alma pobre.
você me sobra e por isso eu sossobro.
e não quero saber de dicionários, as línguas que me lambem me aportuguesam e abrasileram todos os mais íntimos sentidos.
só não vou te matar agora porque você, na hora aghá, me dobra.
até amanhã!

marco/06.11.2009.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009


CUPINS, BROCAS E TRAÇAS


Trapaças (Chico Buarque de Holanda): Contigo aprendi a perder/e achar graça/pagar e não dar importância/contigo a trapaça/por trás da trapaça/é pura elegância//se deres por falta/do teu riso esperto/dos teus sortilégios/entende e perdoa:/eu ando nas ruas com o sol/descolado da tua pessoa.
"
só tinha de ser com você, só você havia de me fazer passar tão bem com você, tão mal sem você. reaprender o que é amor e ao mesmo tempo reconhecer todo o seu lado pestilento, amargoso, como se fosse uma picada do inseto ou aracnídeo mais letal e doloroso; como se fosse uma espinha na garganta e no entanto a dor menor do que o sufoco.
havia de ser com você para eu valorar a desilusão. quando não é uma paixão de estação, não uma fascinação de hora, uma polaróide instantânea – quando é um grande amor que se fina, então a história e a estória se completa e se declina diferente: cada um no seu canto conta o que quiser, cada um no seu canto desafina o quanto puder.
tinha de ser com você, havia de ser pra você, este novo senão que é mais uma dor. e dói mesmo, dói feio, dói para caramba! quero dançar um tango, quero entoar um bolero, quero fazer um samba; quero chorar com Jacob no bandolim, quero estertar com a flauta de Pixinguinha, quero Hermínio, Paulo Pinheiro e Vinícius a me orarem poemas de amores perdidos e encontrados, falidos e ressuscitados, desvalidos e findos.
é, só tinha de ser assim mesmo, com você que é bonita demais, que é feita de azul.
é, só tinha de ser assim, medíocre e banal, meu princípio de final, meu início do fim.
benditos aqueles que amam pois deles será a esperança e a tragédia, a trapaça e a elegância, os andrajos de um amor morto, as franjas alvas de cada novo e insuportável dia.

marco/05.11.2009.

terça-feira, 3 de novembro de 2009


NOVO VERÃO

sem consultar a mim
ou a você
haverá outro verão.
um novo show de cores,
cios, suores e brilhos,
amores de ocasião.

sem perguntar a mim
ou a ninguém
revirá mais um verão
iluminar com sol a pino
as nossas solidões.

marco/14.10.2009.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009


















NÃO É NÃO, NÃO É SIM.

não é que eu não queira, nunca mais, falar contigo de amor. não é que eu não te ame mais, sempre mais, nem que esta maldita palavra [amor] eu ponha num quadro e desenhe em negrito e sublinhe: proscrita!não é nada assim de sentimento, do teu sabor, odor, ou algo que você disse algum dia e que causou tormento, não é nada da lembrança e nem para o esquecimento. não que eu me ponha acima ou abaixo assinado em qualquer documento que seja a seu respeito, muito pelo contrário: respeito é bom e eu gosto: gostosa é a comadre dos outros, a minha é doce donzela.
não é nada demais nem de menos: só não te quero mais, já não agüento mais, eu não suporto mais você. por dentro de meus pensamentos. não é nada, não é nada... já joguei cal, pedra de brita e cascalho, duas massas de cimento; baralho virgem na encruza, dados, palitos e tabuleiros; arruda eu pus de galho, açúcar, sal , salsa e coentro; ambrosia e bom bocado, cocada preta e da branca, pó de anil e de fermento. mas você não deixou em paz a mim nem o meu dia a dia, não me deixou ficar só e nem em alguma companhia.
não é nada assim demais, não é que eu não queira mais ver em você a poesia.
é só que não sou mais capaz de acreditar na nossa imensa hipocrisia.

m/28.10.2009.

MANDALA

Levo aonde quer que for minha mandala sagrada e que por mais que exposta será sempre secreta. Nela dormem, germinam e se renovam os mais finos e densos pólens, os mais íntimos e vulgares movimentos cíclicos dos meus avatares. Em minha mandala o meu tântrico e a minha cabala, os pensamentos cínicos e os anseios singulares, o movimento sísmico e um nunca acabar de espreguiçares. Vivo, sou o mais o mais rétil e o mais langüezo, o mais réptil e o mais inseto, o mais estranho e o mais teu conhecido, teu vizinho quase amigo, teu amante quase amor, teu prestidigitador. Quando morto sou zil zeros além da vírgula e sempre, até para mim, será difícil alcançar este meu menos infinito. Às vezes, a morte me cala. É que às vezes eu morro sim, assim como quem não quer nada, me deixo levar na enxurrada, vazo pelas bocas de lobos, pelos ralos, pelas valas, pelos vãos no covil do vil poderoso, pelas vinhas nas campanhas dos mais sábios larápios. Deito e rolo sem eira nem teia nem veia, sem telha, aranha ou segunda-feira para começar a semana. Quando eu morro sou de uma timidez tamanha que nem te visito: sei onde estás, sei tua sombra, sei o caminho. Mas me apego só ao que tu me deste, não ao que posso querer escondido. E o que era vidro e se quebrou me corta os olhos imediatamente, quando acordo de minhas mortes não há sinal dos infernos em minhas vestes. Volto a ser aquele ser soberano que diz que te ama, prova que é verdade, roga teu carinho. No entanto em minha mandala guardo a febre e a dor de todas as pestes, trago os climas das monções, o terror das pragas e a poesia mais amarga que é essa, a do meu amor agreste. Quando morto tenho a vida que me desmente, quando morto nada tenho e não sou quem sente. Quando vivo quero o infinito a dente e olho, quando morto tenho o consolo de não precisar mais ser prudente. Minha mandala é o centro do alvo de quem sou e sempre serei. Minha mandala é o centro da alma de quem quer que eu venha a ser além.

marco/02.11.2009.