domingo, 30 de agosto de 2009

INCENSO

dona louca que me dá seus pavilhões de orelhas e que me secreta e espelha em estojos de pó de arroz, como se fosse minha, minha cria, minha criação. feita se fosse a rinha aonde eu iria enfim a mim desafiar.
serva troncha, sacerdotisa erotizada que me reza as lágrimas e as risadas nos dias de chuva, nas noites desanuviadas, que me serve não caldos mas saladas, que me serve não carne mas palavras, que me serve de tudo e de nada.
eu te digo: meu berço é no avesso do meu próprio espelho, minha fronte mira a fonte de onde descomeço, meu terço é duplo, é múltiplo, é um arremesso como do pescador a rede em busca de peixe mas também do medo, para matar a fome tanto quanto o receio, que em ambos eu me desmeço , como é clara a noite do inocente vão e é negrume o dia do vil perverso.
te meço: coisa que me surge assim em meu endereço, tem um timbre pálido no destinatário, tem um gesto anônimo, que é meu sinônimo, eu que não dou nome aos uns, aos eles, aos elas, aos eus, aos dois. eu que me subjugo e que me sobrepujo, eu que conto as minhas lendas nesse alfarrábio roxo de tantas incelenças, amarelo ouro de tantos beijos monstros de paixão e desejo e vastidão de amor, beijos com requintes de saudade extrema, de carência de estima, de ternura que ainda procura a sua rima. eu que cato minhas prendas nas migalhas dos olhos de quem me quer mal, de quem me quer bom, de quem me quiser, enfim. eu que soletro uma a uma as letras de um acróstico mas não lhe dou um nome, não lhe dou um fim.
sem ter rumo , de tanta liberdade, o amor me diz tchau e segue puro mesmo manchado de nódoas de mentiras e inverdades, sempre cicatrizando o corpo dos cortes, interrupções e reticências, desmagoando a alma de golpes e pancadas, de seres e de estados.
coiso mestiço de imprudência, virulência e maus modos, cheia de indulgência, curiosidade e vertigem, sua coisa me invade. sei que não te pertenço e não te tenho em mim, é esse nosso laço. você não me persegue e eu sequer te caço. nós somos dois ateus beijando a mesma cruz.
e se você me quer eu te mereço. sou sol e pus, contra ou a favor do vento, sem lenço, nesse documento, te abraço.


marco/30.08.2009.
ME SENTO EM MEU SÍTIO

não demarco territórios. oro a cada arco de passagem que ora surgem em meu caminho. levem a pontes ou cidadelas, transpasso a soleira e sigo sem meias-paradas, ou viro rio que se apega em breve enseada para depois retomar seu caminho, feito tempo que nunca pára. não me valem sacerdócios ou vargens de outras pragas. meu bem vem de muito além, de cismos matusalém, desdém não me traz mais mágoas. não me falem de equinócios, eclipses, caleidoscópios, sapientíssimos ou ignóbeis. minha sanha é permanência, sobreviver ao amor, que faz de besta os letrados, de vivos os inanimados, que faz de ralé os nobres. em minha trilha levo matilhas e não varas, dou aos meus cãos o meu osso, deixo desperolados os porcos. nunca fui soldado a nenhum ferro ou plataforma. sou meu escravo sendo meu dono, senda de toda minha colheita e estorvo. não é de mim nenhuma inveja, raiva, vingança. guardo em mim uma réstia de paz interna, que me governa através da miséria, máfia, desesperança. nunca fui de excelências e não é agora, neste momento de excrecências que vou por minha palavra a pouco. minha palavra sempre esteve além das regras, minha palavra sempre esteve em jogo. minha palavra respira nos bares, brilha nos altares, bica nos pomares, busca em todos os lugares os que possam ser lares para a poesia, para a palavra bem dita. amor é palavra bendita. te amo é certeza em minha vida. não suporto oratórios. deixo para outros os supositórios.

marco/30.08.2009.
A DESCOBERTA DO SEMPRE

cansei de manhas, façanhas, mantras, mientras, mentiras, acuidades, meias verdades, calças completas, sanhas, cocacolas, fantas, meças tamanhas, sarros que não arranham a minha lusitânea e africânea e indígena necessidade simples, lógica, imensa, minha carência extrema de te adorar. de te amar perante todos os deuses: dias-semanas-meses-anos, além de todos os planos, sempre te amo.
cansei de besteiras e semi bandeiras em um mastro a meio pau. e de cerimônias, banheiros de bares cheirando a amônia, meninos bonitos querendo maconha, meninas lindinhas querendo carona para a overdose. tá tudo isso na rua, tá tudo isso nos jornais, na internet, em close nos vídeos do you tube, tá tudo isso mais do que normal.
mas o diferencial não é aquela peça do automóvel que, quebrada, não deixa ninguém dirigir. mas o extraordinário é que um ídolo que não se deixa adorar não deixa um fiel ser feliz. e se eu te adoro e você, minha santa, nem liga assim, você nem mesmo vai saber o milagre que perpetrou em mim.
cansei de falsas miragens mas sei que em muitos desertos ainda existem oásis. eu cansei de prantos e tangos e de viver molambo, rolando com as pedras por aí. eu cansei. I can say: my life is in your hands. ah tuas mãos, onde estão, onde está o seu carinho, onde está você?
cansei de melodramas baratos. quero o que me é mais caro. quero um ser novo você. quero ser novo em você. quero um novo você.
e eu.

marco/30.08.2009.
JUSTO EU

como alguém acha justo que eu traga a vida para a poesia e julga detestável levar a poesia para a vida?
é claro que verter o diário nos poemas incorre em uma certa feição autobiográfica que, na verdade, nem sempre é verdade. mas e daí? e se a poética escorre para o cotidiano corro o risco de falar e agir como personagem de ópera, cantando todas as sílabas da vida, mesmo as palavras indecentes, mesmo as expressões dúbias, mesmo as exclamações sussurradas entre a nuca e o ouvido. e daí?
como alguém acha justeza na poesia e justiça na vida?
de justa a vida não tem nada, e que saia justa pode vestir a poesia? basta ver as multidões de desmazelados pelas ruas, dia-a-dia, não só os miseráveis mas também os desiludidos, não somente os desnutridos mas igualmente os inconsoláveis. em justiça a vida não faz jus a nada. em justeza a poesia há muito já perdeu a escravidão e por isso ainda rima, insiste e metra, e sempre versa sendo somente sua própria presa, líbera sem exatidão.
pois é, e então? e pois então, é: se vivo da poesia a alegria - o amor, o sorriso e a flor – também dela estico o fio da mortalha que veste o drama – o amor, o mortiço e a dor – e deste jeito se forma um indivíduo - justo de justeza e de justiça - uma criatura, um elemento, um exemplar a mais da raça humana.

marco/30.08.2009.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

SÃO AMOR

entre nós
não haverá solidão
pois que
dizemos sim
a alguns longos silêncios,
concordamos
com dilúvios e incêndios,
elementares,
sabemos:
nos amamos há milênios
sem hesitação.

* * * * * * *

é bom saber que não há mais distância entre nós. estamos sempre separados por uma eternidade de palavras mal trocadas. pelas tragadas do meu fumo e os tragos do meu álcool. bem à beira de sons malditos, fumaças e hálitos estamos nós, imóveis, não mais distanciados. sempre separados pelo mesmo número de palmos, sempre unidos pelas mesmas milhas de quilômetros, somos um termo perto do exato, somamos o muito e o pouco e o resultado é que entre nós só há um lapso. você quer possuir meu juízo mas não quer ser minha dona, quer partir sem compromisso mas não quer ser quem abandona. eu quero a presença e a carícia mas também a solidão mostrando as vísceras, um mar de carnaval vindo a tona e uma poça sem reflexos de delícias. é bom saber que entre nós não há mais drama ou menos comédia. não tem menos nada ou mais tudo. não há mais depressão ou menos euforia. não tem menos tempo ou mais espaço. chegamos a um ponto: somos dois pontos milimétricamente separados, anosluzmente unidos. não mais. nem menos. estamos sempre unidos por uma infinidade de bons pensamentos nunca revelados. por cargueiros de contêineres de desejos e anseios e gozos sempre em viagem, nunca aportados. dividimos o pouco e o muito e o resultado é que entre nós, não podemos desatar os nós e não sabemos desfazer os laços. chegamos a um ponto que não é cursivo e nem é parágrafo. são dois pontos: eqüidistantes entre o não e o sim. não estações entre maio e agosto, não constelações entre gêmeos e leão, sim chuva e sol entre agostos e maios, sim sóis e luas entre leões e gêmeos. tudo de todo o errado e o acertado entre a fêmea macha e macho fêmeo. animais com instintos sazonais, tanto se habitam como se nomadeiam, por aí, por aqui, por lá, por acolá.
é bom saber que não há mais ou menos movimentos entre nós? é dom sentir que está tudo na mesma e que esse mesmo não é plenitude mas é redundância? e o tom de voz não se recata nem se alteia pois que não há gás para a memória e nem há brisa para a esperança? é bom viver assim, donos de todo um universo não mais infinito nem eterno, simplesmente amparado no que somos?: dois pontos.



marco/28.08.2009.

PODE ME CHAMAR DE VOCÊ!

quando falo de você, quando escrevo pra você, eu sôo e firmo um ele, uma ela, quando perpetro a palavra você. penetro numa atmosfera imprecisa onde voam um ela, um ele, um tu. onde se perpassam os gêneros e os sexos, sem que se tornem genéricos ou assexuados. o que vale, além do suorento sentimento das palavras ditas, grafadas, o que serve é o ludo. o que me vale as penas, o que me serve a mesa farta de carnes de aves, mamíferos, moluscos. é quando só encontra lodo em torno que se sabe se o homem realmente tem sede. vai sorver do barro o líquido e transpirar, sobrevivente, poeira. é ludo real quando trato palavras, tateio imagens, tempero ambientes, perfumo sentimentos, desfruto paladares, ouço e revelo segredos.
quando crio um você, quem sabe você é ela, quem sabe você é ele, quem sabe você é mesmo você? tu não és. porque tu é singular demais pra mim. pra nós, se você bem me entende.
mas o que me leva ao jogo, ao fogo de forjar armas temperadas, ao sopro de afiar flechas imantadas, ao logro de escudar tempestades com palavras, o que me leva ao infinito acima dos céus e ao fundo do fosso dos poços, é o poder. é poder com palavras comer um tremoço ou domar um potro. é poder discernir entre trocos e troços. é poder descobrir a ultimíssima verdade ou reaver a paleontológica farsa. mas sobretudo é poder ser você. pois quando me transmuto de um em muitos, sou o seu senhor e súdito, o desmazelado e o bem afortunado, o primeiro e único e o antepenúltimo.
quando sou você posso me amar como você nunca me amou, posso me falar coisas que você nunca pensou, posso decidir querer ser tua, sempre, e eu ser sempre teu, quando eu sou você. e não importa se a rima é rota, se a rota é certa, se é a última gota, se há mais promessas. tudo é mais que o impossível, todo amor é vencedor, seja herói ou vilão, honesto ou bandido, quando sou você.
quando sou você eu falo e escrevo tudo que eu quero ouvir, do modo que eu quero ler. escrevo e falo tudo que eu detestaria receber, do jeito mais rude que eu não quero ver. é assim quando quero ser você.
sei dos riscos ilimitados, tanto os de vida e morte quanto daqueles das sobrancelhas. sei dos deleites do paço e que algum dia posso perder o compasso e não conseguir mais traçar resmas de linhas, não entoar mais minhas cantigas, não acender com meu sopro as mesmas velhas centelhas. mas olho no seu olho, vejo uma página em branco, me sinto um deus. escravo de minha criação.
quando crio você, é a minha imagem, semelhança, perfeição.


marco/28.08.2009.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

OVERDOSE

amor demais
é um ciclone devastando tudo
o que havia, o que haveria
um tornado extinguindo o mundo
que amei, que amaria
e eu mudo
amando demais
dono do dano
senhor do quê
em segredo
em mim existia.

marco/24.08.2009.
EXTRA

não, não basta meu nome. quero te marcar de outros e muitos e vários e tantos jeitos, modos e formas que você nem pode, com ou sem certeza, se quer ou não quer, nem sequer imaginar.
você a quem não dei o meu nome, e nem você quis. você a quem não dei nenhum filho, e nem você quis. você por quem tenho amor, carrego amor, possuo amor, e até que você quis. quasímodo poeta, eu é que não soube como ofertar.
não, não basta seu nome. quero é me marcar fatal, ferrenha e definitivamente com você. aquilo que foi sonho é cimento, o que foi corpo hoje é peso nos ombros, o que foi alma geminada é vento zumbindo pelas entrefrestas da portas e janelas, fantasmagóricamente.
não, não me basta esta overdose. ainda quero mais de você. viciado e dependente, penitente sóbrio e carente, ainda quer mais de você, mais de uma inevitável precoce morte, isso que quanto mais me emprenha mais me fode.


marco/24.08.2009.
VIRAMUNDO

”quando a gente tenta de toda maneira dele se guardar
sentimento ilhado, morto amordaçado, volta a incomodar”
(Clodô/Clésio)


Geralmente meu amor opera silencioso. O que não quer dizer furtivo ou escuso. É só uma questão de temperamento. [Como disse o Walter Franco: tem certos artistas (pessoas) que parecem um cisne deslizando em um lago, aquela mansidão, o movimento plácido, cálido, perfeito; mas se você olhar por baixo d’água, as patas estão estabanadas a mil, para conseguir aquele efeito]. É dessa natureza, é do silêncio que o meu amor se gera. Logo esse que se destempera num repente e briga e xinga e berra, é esse mesmo amor que não se amansa e é feito de promessas. Vãs e vis muita vez mas vai e vem removendo montanhas por sua presença, por sua pessoa. Remoendo mágoas mas tentando transformar as tábuas dos mandamentos em coisa que se prestasse mais ao amor que à vingança, mais ao sabor que ao insosso, mais ao saber que ao tabú, mais ao bem querer que ao mal poder. É da natureza o sonho e a desilusão, o aguaceiro e a seca, catorze bis e asas de cera, meia vida e inteira morte.
É sem sutileza que realmente gostaria de te escrever. Sem justiça mas com justeza, com pés rachados mas com realeza. Só para ver se você merece, se te apetece a mentira justa desse que te jura e não é de morte, desse que te mira e não é com tiro. Só para ver se você se esquece, se se compadece com a verdade crua desse que te caça mas não é pra corte, desse que te acua mas não põe mordaça. Quando é legal meu amor se esmera em gentilezas. Quando perde a lei ele se ferra em cravos que ninguém inveja. Não te quero com guirlandas de bridas, não com colares de viramundos não te quero. Minha. Já basta minha senda, eu sendo seu súdito. Não te quero minha. Te quero sua. Sua todo o preciso para engendrar a vida, ferve nos poros tudo que se fizer necessário para um novo amar. Não te quero mais. Me basta ser teu, demasiado para não querer saber os seus rumos, roteiros ou descaminhos.
Não quero saber aonde ainda, obrigatóriamente, você vai me levar.


marco/24.08.2009.


p.s. - conto verdades sem maldade em seus ouvidos, aos sussurros / canto mentiras salivadas sem tortura em suas orelhas, aos gritos.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

PARCERIA


“quando bater no coração,
sem confusão, atende!
vamos poder dizer que de amor
a gente entende.
vamos cair em cima dessa hora
agora, já:
como o pôr do sol
caindo em cima lá do mar,
como uma nuvem cai
em cima lá do Redentor:
cai de carinho
no meu amor”

Arnaldo Lazuli



coisa tão natural e das mais pervesas. na vida, que é sinuosa, surge como uma reta e certeira flecha, meta inescrupulosa. coisa fatídica, rude e rústica, não dá resposta, a outra face, não dá saída. mítica e sem pudor, coisa única.
é claro que não é o amor, não.
não: é o próprio não, fim de estação: é a morte. a pura e simples morte.
então é assim: hoje estou de não, de luto, hoje estou de morte.
xingo, brigo, luto,
com você, meu amigo, que sempre disse sim,
neste seu último momento em que eu exclamo: não!, mas que me dás de sobrepeso ou alento, sei lá, só este mesmo imenso não.

“eu vou rasgar meu coração
pra costurar o teu
vou te cantar esta canção:
o meu irmão morreu.”
(edu lobo/chico buarque)

marco/21.08.2009.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

SOBRE PONTES


haja contêineres de passado
e toneladas
de linhas do horizonte
de futuros.

mas o momento presente
é ponte.

e uma ponte é nenhum
lugar
ou tempo.

sobre
mares, rios, lagos, pistas de rodagem –
cada local
tem seu tempo e lugar, instante e estabelecimento,
marés, luas, chuvas, destemperamentos, velocidades

e uma ponte não é
nenhum tempo ou lugar.

você leu a palavra
presente
(lá em cima)
e piscou os olhos
e no que pestanejou
tudo isso já era: passado.
e a próxima linha é:
um futuro ilimitado – já
que a morte do futuro é automática.

mas você volta os olhos
para reler
e este ato
visita um passado acabado
um futuro redivivo
um presente exacerbado.

haja
lugar e tempo
haja
casa e relento
haja vida
para os caminhantes sedentos
de horizontes:
de ontens,
hojes,
amanhãs
e sempres.

(como o verbo agir),

haja

pontes!

marco/

terça-feira, 18 de agosto de 2009

ESPELHO, ESPELHO TEU!

Humildemente peço emprestado teu espelho.
Tomos e tomos que lesse não encontraria, bem sei, o que estou prestes a ver nesse vidro de aço, onde a vida faz passarela e não há mais tempos vividos pois todos os átomos se refazem em ciclos: presentes, passados, futuros, tudo desfila um enredo que não dá fuga à face: quer ver nos meus olhos bem mais que a flor do narciso.
Ordeiramente me posto rente ao teu espelho, quero refletir. No seu colo eu sou um romeiro frente ao seu senhor: só sentimento. Quero me sentir, me desmentir, me escoicear de verdades, como se as soubesse. Mas quando olho em teu espelho vejo tardes que noiteam, embora nas janelas dos meus sentimentos o dia seja sol a pino, eu destemido no pico do everest. Eu sucumbido no fundo do mais fundo abissal da fossa das filipinas ainda roço a vista em teu espelho e enxergo toda festa e cada chacina, cada métrica e toda desdita que amar nos reserva. Mas eu, só, quero refletir.
Humanamente me instalo nesse emprestado espelho. E dá-se que, aí, viro uma assombração de mim mesmo. É porque não me cabe o espaço que é próprio pra ti, justo pra ti, corpo inteiro. É que propriedade, justiça e justeza são coisas que aprendi contigo, espelho, a bem junto de mim trazê-las. Sei de cor que estilo e estilete são duas coisas bem diferentes. Sei de cor e alternado os ritmos de todos os tangos, de todos os mambos, de todos os mantras, de todos os sambas, sei côr por côr todos os arco-íris mais sangrados, as minúcias de meus amores homicidados, sei que não sei salvar o condenado e executar o carrasco.
Amadamente te percorro a superfície e encontro poeiras, pólens, luz de mim emprestada, e uma tabula rasa que de mim ainda teima em exigir respostas e propostas e metáforas ignóbias que me levam a nada mais do que me exibir em chagas e logo após te ceder um véu, leve ou espesso, breve ou eterno, frágil ou pesado, inferno ou céu pra ti - coiso gelado, espelho que não é meu - para que você mesmo se mire e acerte no alvo, e talvez, a este tempo já calvo, se admire.
Espelho, espelho teu, serás sempre admirável!


marco/18.08.2009.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

EU TE AMO

abro os olhos, vejo teu olho. fecho os olhos, sonho teus olhos no sono. : e isso continua, como se abre e fecha o leque: eternamente ao calor dos ventos. e mesmo que o amor não me ame, eu amo a ele. feito um camelo que guarda a água mas nunca mata a sua sede. como se guarda um blefe e se estoura a banca em um lance de mestre.
[eu queria ter teus olhos para olhar pra mim. e saber o que verias, saber se é verdade ou pura dramaticidade o que vês, vez a vez, e o que poderias ver se realmente olhasses nos meus olhos translúcidamente, no fundo do olho, examinando detalhadamente o fundo do lodo do meu poço, no ponto em que alma salta e se declara, onde para um bom olhador meia piscada basta.]
fecho os olhos, acho que para nunca mais abrir. fecho os olhos para ficar só comigo, enormemente comigo. às vezes consigo. e quando não vejo você, então aí sim, me sinto entregue ao infinito. mas não deliro. deito no leito do mais cruel céu e do mais celestial inferno: vejo a mim mesmo, me pego nas mãos, me acalento, me surro, me sussurro e me berro. vejo a mim mesmo como o velho mais sábio, como o menino frente a um astrolábio. e aí, dentro deste cômodo, olho a mim mesmo no espelho que tenho a frente. e me vejo entre o rubor e o pálido, um tanto de infante e um tanto de senhor, eu mesmo um meio de eterno e átimo, um começo sem ponto, um final sem parágrafo, um fim feliz com eternos olhos cegos: nunca sonhadores, nunca sonhados.
e feixo o texto feito um abraço num longínquo celeiro. e fecho os versos como um beijo encharcado de suor, escorrendo pelos cantos dos beiços.
e isso só para o prazer de redizer que te quero.
tudo só para a razão de firmar que te amo.


marco/17.08.2009.

sábado, 15 de agosto de 2009


VOCÊ É QUEM?

Quem é você a quem escrevo, de quem falo, a quem recorro num impossível espelho pois que nunca é que tenho este você em frente? Quem é você que me incita a discorrer loas à toa, que me excita as mãos, nos lápis e teclados, que me exercita em uma diária e fiel devoção às palavras? Quem é você que não tem nome e que quando me ouso a querer pronunciá-lo você some, feito santa que não faz milagre, feito cruz que não tem cristo? Quem é você com quem me delicio em meus textos, e passo noites a te acariciar com todos os pecados mais melados, pensados, ditos e feitos? E com quem passo dias dia-a-dia praguejando a sorte, tramando lamúrias como se fôssemos dignos de pena, falsificando passaportes para ultrapassar as fronteiras das cenas cotidianas que nos impomos. Quem é você assim tão delicada, assim tão debochada, assim e assadamente delinqüente e fada? Assim tão me emprenhadamente escusa, tão ilesamente me entranhada? Quem é você? Você é quem? Um quem qualquer ou um exato fantasma que me habita e horroriza, um ninguém que de viés vi em um relance de alguma esquina? Quem é você? É a respiração ou a asma? É confirmação ou cisma, bonança ou cataclisma, a vida plena ou a morte implícita? Você é a renomada quem? Você é a célebre anônima? Você é a virtuosa do além, a consoante ou a tônica?
Quem é você pra quem escrevo, a quem me revelo, a quem sobrecargo com contêineres de secretos jamais revelados? Quem é você que me é doce, me é suave, me é feitor, me é azinhavre; é mel da mesma abelha que me aferroa, fel da mesma ave que me leva aos ares, reles, mesquinha, medonha, mescla do céu e da terra, mixta de céu e inferno, chispa de ouro do sol e de prata da lua, quem é você, coisa minha ou coisa tua? Você é quem não responde. Eu sou quem interroga.
Quem é esse você, repleto de vocês? Quem é esse meu eu, que ainda pergunta?

marco/15.08.2009.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

COISA QUE NÃO FALECE

te amar não é trabalho fácil.
muito pelo contrário, é um labor árduo.
por isso, ardo, cintilo, fluorescenço, braso, fógo por este amor.
te amar, moça, não é um colosso. é duro de roer. é infiltrar a rima o quanto posso.
é mostrar as gengivas enquanto choro, sublimar as águas mais límpidas daquele antigo poço.

te amar é tudo que o meu amor possue.

o que eu tenho e o que eu devo – fazer – o dever e o haver, e o que eu quero que continue....
te amar não é conversa à tõa.
nem gravidez que enjôa.
muito pelo desejo, muito péla meu couro essa gravidade recaindo em cada poro, em cada osso. roçando o que eu vejo sempre estará aquele teu antigo esboço.

quando.
e um gerúndio insano.
e um gerânio num jardim ora repleto de mal-me-queres ainda moços.
te amar é assassinar em série todos os teus ouvidos moucos.

no todo, no rodo, te amar é intempérie.



marco/12.08.2009.
AMOR É MORA
(que viva o quanto quiser, morra quando for a hora)

O amor me deve quilômetros de combustíveis para ir além. E eu lhe devo milhares de memórias que falsamente confesso que não tenho, trilhares de lençóis de lágrimas que eu juro que jamais verti, tectônicas viagens, mente e corpo, que absolutamente finjo que não vivi e mais, muito mais: surreais miragens que, eu sei, foram verdadeiras; mas porém o amor me nega seu esteio, quando eu não sigo a regra e, talvez confuso ou inocente, como não lhe nego nada, nada dele acoberto. O amor me deve absurdos de milênios, se eu fosse contar em tempos. Mas o amor me deve, deve, deve. Vê-de: o amor me mede onde eu somente peço: dê-me.
[ Jogo de palavras, lavras que pago ou deixo? Larvas em que nado e eu nem peixo? É muito fácil, pelo menos para mim, enunciar palavras e formar frases e cortar versos e fazer que alguém, qualquer alguém – não que preciso seja a minha pessoa amada – que alguém acredite que meu dizer, que o meu escrito, que o meu prazer ou meu grito, ou o meu grito de prazer – que acredite que isso (assim, de repente, sem mais nem menos), seja uma verdade universal. Então tá! Então tal. ]
Ah eu que sou devoto não me devo nada e nem a ninguém ou a nada, deixa eu te dizer: já chorei tudo o que tinha para aguar, já penei tudo o que teria para peneirar, faço versos rudes porque estou cansado de pensar. E de cru basta o meu corpo nu e solitário nesta cama, coisa ilesa de qualquer perigo ou crença, mas também imenso em sua solidão monumental. Da qual só sabe mesmo é esta criatura que sabe que muito ama, e que agora vos fala!
Falou.

marco/07.08.2009.

domingo, 9 de agosto de 2009

JANELAS ABERTAS Nº?

sim,
eu deveria abrir
os sótãos e os porões
em chamas
para tentar salvar
as almas e monstros
que me habitam.

eu ficaria

como assistente ileso
como viúvo tenso
pela herança.

sim,
eu deveria pagar
as contas de todos os terços
os umbigos de todos os berços
os arcos de todas as cores
os marcos de todos os amores.

mas
eu prefiro
abrir as janelas
para que entrem
todos os ventos
e incêndios
do futuro.



marco/01.08.2009.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

SUSPIRO

o dia
que era claro e vívido
quedou cinza
túrgido.
mas eu cá,
em meu íntimo,
inda te vejo e sinto
linda.
linda e úmida.

marco/05.08.2009.

"é sobrehumano amar"
José Miguel Wisnik

VIRAR LATAS

Amar, meu amigo, minha amiga, é coisa de bicho.
é ato cavalar, coisa de ornitorrincar o ser. e girafear, rinocerontear, formiguear, tamanduzear a criatura. é de fato um rato dentro do cérebro, um tatu voando e intercedendo em todos os vôos aéreos dos vôomotores e dos mais leves nossos sonhos etéreos.
Amar é o fim.
minha amiga, meu amigo, não há final quando se começa a amar. e não há recomeço. te digo pois sei o que hoje sou e não mais me alturo, larguro, peso: eu não me meço. e não me aturo, me largo, me peço.
Amar é vibrar em outro universo.
onde já não há: métrica nem rima, princípios ou consensos, pudor e falsa estima, fedor e catequese, fulgor e covardia, de tudo disso se esquece. agora, já dentro do amor, tudo é o mesmo que nada, a flor da alfazema ou o estrume na estrada, a mágica de um poema ou a perjura mais desgraçada.
Amar é virar latas.
sem se importar com as valas comuns, com as réstias de relas fétidas, com as feridas mais infames que são as que guardamos dentro, não as que se revelam. sem se tornar um cão sem dono ou um raivoso prestes à carrocinha de cachorros. amar é revirar os intestinos e o estômago. e trazer tudo à boca: tudo o que é sagrado e profano, sem medo de suspiros ou vômitos. sem querer saber se a próxima parada é avulsa ou definitiva. sem querer. mas ainda querendo muito.
Amar, minha amiga, meu amigo, é desprezo do destino.
e porque não o homem alegre, a mulher feliz? não. amar é ser obrigado a viver a vida desenhando todo dia, a cada infinito dia, rabiscando na carne uma a unha, a cada gesto, uma nova cicatriz. é coisa de demente rente ao abismo ou de um ser dormente que repousa a fronte na pedra de sacrifício e mesmos assim ainda mente.
Amar não requer nada. e quer tudo. amar é tanto para mendigos com para abastados. todos burros, todos imbecís, todos canhestros.
Amar não é para inteligentes, não é para nichos.
Amar, queridos, é coisa de bichos.



marco/04.08.2009.
"solidão é lava que cobre tudo
amargura em minha boca
sorri seus dentes de chumbo".
Paulinho da Viola

AMARGOSA

solidão é aquela pepita de um dourado tão especial que não se negocia. solidão é aquela pétala metal que sai direto da peneira do batedor e cai nas mãos da mais fina relojoaria. solidão é palavra para se publicar e adorar: única, em uma página de dicionário; pública, aos pés da grade de um confessionário.
solidão é tudo, não tendo nada; solidão é um múltiplo, mesmo sendo senzala. solidão é o redor pleno de escuro; solidão é a seda da perda de escrúpulos.
[solidão é um clarão tão luz que abre os olhos à força e o que se vê é só deserto, metro a metro só desterro e mágoa, e nenhuma água para lavar as gazes dos curativos que ainda muito são precisos.]
solidão é aquela pedra que não passou pela garganta, que escoou do rim mas não verteu pela uretra
solidão não é passatempo, meu amor, solidão é tempo que não passa. mesmo nós todos sabendo que a morte é certa.


marco/05.08.2009.

sábado, 1 de agosto de 2009

foto original de Lula Espírito Santo.
FUMAR NO ESCURO

Falar com você, sem te ver: fumar no escuro.
Há um certo prazer, uma sensação de tato da fumaça nos lábios, um medir distância sem certo horizonte, um exagero de saliva a mais na boca, uma inesgotável e instantânea necessidade de buscar, não sei onde, mais de você, mais das espirais do carbonizado tabaco.
Falar com você, sem te ver, te sabendo longe: fumar sem tragar.
Há uma carência de corpo e mesmo parece que a alma é por demais fluida em mim do que seria no seu estranho ser. E assim a boca seca, por buscar no ar o que não há, e não há intimidade – nem desejo nem saudade – com o que se acabou de exclamar: palavra ou gás, nada me liga ou atrai a você, já que só imaginada.
Fumar no escuro. A única luz é o rescender da brasa. Mas não há êxtase, na há você nas longarinas do que não vejo, os tragos nada me trazem e as palavras parecem fantasmas. Ou querem que eu seja.



marco/30.07.2009.