quarta-feira, 25 de março de 2009


O ACASO E A NECESSIDADE

O poeta Ferreira Gullar disse e eu repito pra você, olho no olho:

“No fundo, a vida não passa de uma constante tensão entre acaso e necessidade.
Há quem nasça com talento para pintar, jogar futebol ou roubar. E há quem nasça com talento para fazer poemas. Sem a vocação, o sujeito não vai longe. Pode virar um excelente leitor ou crítico de poesia, mas nunca se transformará num poeta respeitável. Por outro lado, caso o sujeito tenha a vocação e não trabalhe duro, dificilmente produzirá um verso que preste. Se não estudar, se não batalhar pelo domínio da linguagem, acabará desperdiçando o talento. Converter a vocação em expressão demanda um esforço imenso. Tudo vai depender do equilíbrio entre o acaso e a necessidade. A vocação é acaso. A expressão é necessidade. Compreende a diferença?”

Creio que o amor entre os seres é também assim, um permanente desequilíbrio entre o acaso e a necessidade.
Quero dizer: o amor existe, de várias formas. Nós escolhemos quando e quanto e como exercê-lo. Porque querer ser amado quando não se oferta amor? Pois carência é acaso mas querer companhia é necessidade. Nós criamos bichos e plantas: uns para estar ao lado, outros para matar e comer. Fazemos o mesmo com humanos em nossas relações diárias: uns para usufruir, outros para manter.
Quem é mesmo que vai me dizer a régua das fronteiras e limites entre o mero desejo e o puro sentimento? Quem? Você?
Há mais coisas entre os céus e as terras do que sonha a nossa vil filosofia.
Qualquer dia eu desejo, amo, encontro vocês, sim? Qualquer dia desses.


marco/22.03.2009.

sexta-feira, 20 de março de 2009


ESSA COISA QUE CHAMAMOS DE AMOR

Você me olha: insiste em que eu fale de amor.
Te olho: prefiro dizer do amor.
Você quer que eu diga do nosso,
Eu insisto em falar de todos, os nossos inclusos.

É isso: se vocês todos pensam que tem um só amor, estão inteiramente equivocados.
Há mais amores do que sonham as nossas vãs ideologias.
E não se trata de traição ou descaso; mais do que essas bobagens cotidianas, quero mesmo é falar daquele amor que não descansa, sempre lívido e célere, carnal e místico.
Aquele amor que não desanda e, quando pára é para tomar fôlego. E quando segue é que necessita pódio. E quando ríspido quer temperança. E quando encarna o cão quer ser um anjo.

É isso! Quero somente falar do que sinto, afora do cinto de segurança do minto ou pressinto.
Mas não é totalmente bem isso: acho que o texto ia bem mas de repente pintou algum ranço no instinto. Não que eu não te ame, longe disso. Não, não precisamos de logoritmos desde o princípio; claro que não nem mais queremos diferenciar as folhas de parreira de eva e adão, ainda mais nesse final de verão, né?

Olha de novo: mas você insiste em falar de amor, né?
Olho de volta: então não se aclame ou sossegue, mon coeur, meu amor, meu bem, ma femme.

É com essa coisa, aquela, da qual a gente foge e persegue, com que você quer você brincar?
Aquele troço que nos alça como bailarinos, acima do olimpo. E depois nos faz resto do mais rés-do-chão do botequim mais pé sujo, do cais mais imundo, da mais fétida noção de futuro que possamos vislumbrar. E no entanto no dia seguinte ao torturo a alma e o corpo desgramados se ressuscitam feito afrodites e lázaros.
É com isso que você quer jogar? Então te digo: a máfia do amor é mais possante e poderosa do que a norteamericana ou siciliana. E geralmente, como no congresso nacional brasileiro, tudo acaba em pítiça.
Mas sendo assim, vá lá. Ou venha cá. Ou nem se mova, mãos ao alto que este mero escrevinhador vai falar:

Eu amo gentes de olhos claros e escuros; pessoas de ancas vastas e esguias; criaturas de todas as cores e estaturas.
Eu amo animais de crias e àqueles perdidos nas ruas; florestas fartas de águas e desertos plenos de secura.
Sou um vagalume, flanando entre o negrume e o radiante;
sou o giz feito carvão, sou na pérola negra o diamante;
e toda vez um risco, arriscando em esplendor ou escuridão.

Eu sou raro e comum como um animal em extinção
Eu sou efeito e fato feito o mineral e a radiação.
Eu amo o mundo como ele é
E a vida que prossiga
Além de mim e de você,
Nós que sabemos o que já fizemos
E que ninguém não mais nos diga ou siga.

Não vou discutir se riso é marfim
ou se choro é ébano.
Não estou afim.
Não estou nem aqui
há séculos.


marco/19.03.2009.

sábado, 14 de março de 2009


DEDICAÇÃO


Sabe,
uma coisa que eu queria dar um jeito de não poder parar de te falar é que eu te amo e que eu te amo e é que eu te amo e é que cansa demais isso assim e eu também até fico de saco cheio de ficar repetindo, mesmo assim na cópia do programa word windows.

Achou que é a pura verdade ou só jogada de marketing?

Posso dizer que teu olho é a coisa mais linda do mundo enquanto me olha e me vê em mim mas que é a coisa mais escrota do universo quando não nem se toca que eu te espero.
E eu te espero sempre. E eu sempre excreto algum filamento que devia deixar você ver o quanto eu te quero.

E aí? E, se na verdade, não seja melhor ficar só na memória, deixar na história uns contos de fadas e fodas simplórias e mais alguns ocasionais acontecimentos?
E aqui? E, se na mentira, não será melhor somente um dormente amor que feito um verme já se instalou dentro de nós e intestinamente nos comanda desde o café da manhã até o almoço e janta?

Existe isso, pode acreditar.

Sabe,
E se acontecer algo disso de assim do mesmo dito, assim desse previsto, algo assim conosco?
Então o que a gente faz alem de se olhar nos olhos, além do carinho, além do tesão, além do companheirismo, além de toda fé e da boa fé, da compreensão; e da dedicação, além do além do que a gente pode pensar que deu ou está cedendo ou conservando seu o que é do outro?

O que é que a gente faz com o que não é da gente e não é também do outro?

Com aquilo que é nosso?

Aquilo que alimentamos mas que na verdade não é nosso filho, sonho, sangue, desejo, promessa, pulso?

O que é que a gente faz com isso tudo, grande e imenso, mas que porém nos é avulso?

Eu me calo. Te pergunto.


marco/14.03.2009

quinta-feira, 12 de março de 2009


DIA OITO DE MARÇO

Você disse que eu deixei passar em branco o Dia Internacional da Mulher. Veja bem: não deixei passar nada: nem em branca, negra, amarela, vermelha, ou quaisquer mil escalas de cinza ou de fogo. Você, eu sei, me disse só para me provocar. Então tá! Vai aqui mais texto só pra te vangloriar:

Olha bem: o que eu posso falar de mulher, de mulheres?
Que as amo, respeito, desde ter muito peito às suas legítimas atitudes.
O que eu posso querer invejar mais da mulher além de eu ser um limitado homem?
Não posso gerar, parir, gozar dessa coisa única.
Não queria ser mulher, não, não é esse o caso. Mas como as invejo.
E como as perdôo, e como as idolatro e esculacho, sempre que preciso for.
E como as aturo, desde jovem e hoje maduro,
como as desejo e espero que sejam tão e mais superpoderosas.
E como as faturo em minha mente, não somente como índices de contas de crédito ou débito mas
como as quero levar à fartura de prazeres sem remédios!

Agora falando sério, como se antes não sério seria: Mulher é o máximo do bicho homem, ou melhor, o últimíssimo extrato do ser bicho humano – já disse outro dia: mesquinho e miserável – e é assim que foi e é e será a mulher: embora do mesmo gênero; tem outro grau, noção, sensibilidade, acuidade e até adivinhação.
Porque homem nunca é mãe ou irmã ou tia ou sogra, cunhada, nora, namorada, noiva, mulher.
Se é que me entendem.
Ser homem é só ser uma pesada pedra precisando colo.
De quem?

marco/11.03.2009

sexta-feira, 6 de março de 2009


CRISTAL E DIAMANTE

Às vezes uma imagem esconde vícios, de luz e sombras, de poses e posturas e artifícios outros e tantos que nem devo enumerar. Conheço todos. Comecei com um e depois outros e depois, quando menos pensamos, sabemos de todos; pensamos que sabemos. De tudo.
Mas tudo é um absoluto tão integral que nem o papo do gilberto gil sustém. Nem assim nem, nem. Nós que não somos mais nenéns sabemos que brincar com um ídolo como gil faz bem, sabemos também que brincar com fogo é querer queimadura e certas coisas escondem outras como a concha contém em si além da água e da areia também os ruídos do mar.
Às vezes uma imagem revela alegrias, de clarões e relâmpagos, de flexes e instantâneos, que não há velocidades de bólidos ou flechas que possam realmente nos esclarecer ou escurecer o que é que há realmente naquela imagem, que na verdade - [a verdade é que ela não existe] - quer se revelar. Ou se ocultar da luz. Ou se ascender do breu.
Mas a clarividência e a escurividência são coisas tão parceiras que eu nem sei mais porque eu estou falando sobre isso.
Deve ser o efeito do seu olho faceiro agindo com um seu específico jeito sobre mim.
Deve ser porque você me deu esta foto e não deu um completo retrato pra mim, seu.
Pode ser, é claro!
Pode ser, é escuro!
É certo e errado o que eu estou te dizendo pois vem de toda dúvida a certeza de que o amor não é um princípio nem um fim.
E muito menos um meio.
O amor é abstrato demais para você, para o gilberto gil e muito mais para mim também.
“mistério sempre há de pintar por aí’.
Às vezes uma imagem é tão crua que a gente quer curá-la.
Mas isso não basta.
Nada é bastante que valha distingüir entre diamante ou cristal.
O que vale é a luz.

Beijos e abraços, depois a gente se fala mais.


marco/06.03.2009.

quinta-feira, 5 de março de 2009


VAI VER QUE É ISSO

Nunca sei o que está começando ou acabando.
O fluxo é um bruxo que não me deixa,
não me deixa parar. Para entender.
Nunca sei o que será início ou o que estárá findo.
Sei quando falta paciência, sono, dinheiro, alegria;
sei quando acaba a noite, a bebida, o papel higiênico. Nunca
sei o que está acontecendo, mal sei a hora exata: tenho uns sete relógios marcando, macerando números desiguais: no celular, na cabeceira, nas telas da tv ou do micro, na parede da cozinha, no microndas.
Mas é preciso saber?
É preciso o saber?
O fluxo, se é o tempo, não é a vida. Se for a vida, então dá um tempo!
Senão me enforco de angústia e me esgano de agonia e me enfado de aceleração e me engasgo de esperança.
Olha só: cheguei à beira do fim do ancoradouro. Não há barcos. Mas há mar. Estou parado num extremo de trilha, de frente para o infinito. Posso nadar. Posso esperar uma condução. Posso. Posso esperançar.
Quero?
Não quero nem saber. Já disse pra você: não sou início, não sou fim. Talvez seja seu meio, quando você ilumina o ambiente e me dá pão e água e sexo e conselhos.
Uns eu vou urinar e descomer, outros eu vou esquecer e gozar.
Nunca sei o que está terminando ou principiando.
Vai ver que é porque não sou nem terminal nem príncipe. Vai ver.
Vai ver e depois me conta.
Sim?

marco/05.03.2009.

domingo, 1 de março de 2009


28.02.2009

Ainda bem que acabou. Já não agüentava mais o dia vinte e oito. De fevereiro. Às vezes é difícil tolerar um dia inteiro. E ainda mais um dia último de um mês que nem inteiro é. Conclusão: eis me aqui de saco cheio. Foram tantos telefonemas inúteis, tantos fonemas fúteis, sem nenhuma rima que preste!
Olha só: ‘eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades’, citando Cazuza. E mais nada. Só vejo lindos sonhos cobertos de trapos, perfeitas intenções curativadas com encruzilhadas de esparadrapos.
Ainda bem que acabou, já não agüentava mais esse dia que passou. Agora é primeiro, de março, nome de rua, data tão nobre que ninguém sabe nem porque virou endereço. Só quanto tem festa de aniversário da cidade do Rio de Janeiro.
E a vida segue, como sempre eu te digo. E a vida continua, ‘esse é um dito que todo mundo proclama/o consolo dos aflitos/e a desilusão de quem ama’,como cantou o Paulinho da Viola.
Mas falar de amor – esse luxo – a gente fala depois. Qualquer dia, quem sabe....


marco/01.03.2009