domingo, 30 de agosto de 2009

JUSTO EU

como alguém acha justo que eu traga a vida para a poesia e julga detestável levar a poesia para a vida?
é claro que verter o diário nos poemas incorre em uma certa feição autobiográfica que, na verdade, nem sempre é verdade. mas e daí? e se a poética escorre para o cotidiano corro o risco de falar e agir como personagem de ópera, cantando todas as sílabas da vida, mesmo as palavras indecentes, mesmo as expressões dúbias, mesmo as exclamações sussurradas entre a nuca e o ouvido. e daí?
como alguém acha justeza na poesia e justiça na vida?
de justa a vida não tem nada, e que saia justa pode vestir a poesia? basta ver as multidões de desmazelados pelas ruas, dia-a-dia, não só os miseráveis mas também os desiludidos, não somente os desnutridos mas igualmente os inconsoláveis. em justiça a vida não faz jus a nada. em justeza a poesia há muito já perdeu a escravidão e por isso ainda rima, insiste e metra, e sempre versa sendo somente sua própria presa, líbera sem exatidão.
pois é, e então? e pois então, é: se vivo da poesia a alegria - o amor, o sorriso e a flor – também dela estico o fio da mortalha que veste o drama – o amor, o mortiço e a dor – e deste jeito se forma um indivíduo - justo de justeza e de justiça - uma criatura, um elemento, um exemplar a mais da raça humana.

marco/30.08.2009.

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