sábado, 15 de agosto de 2009


VOCÊ É QUEM?

Quem é você a quem escrevo, de quem falo, a quem recorro num impossível espelho pois que nunca é que tenho este você em frente? Quem é você que me incita a discorrer loas à toa, que me excita as mãos, nos lápis e teclados, que me exercita em uma diária e fiel devoção às palavras? Quem é você que não tem nome e que quando me ouso a querer pronunciá-lo você some, feito santa que não faz milagre, feito cruz que não tem cristo? Quem é você com quem me delicio em meus textos, e passo noites a te acariciar com todos os pecados mais melados, pensados, ditos e feitos? E com quem passo dias dia-a-dia praguejando a sorte, tramando lamúrias como se fôssemos dignos de pena, falsificando passaportes para ultrapassar as fronteiras das cenas cotidianas que nos impomos. Quem é você assim tão delicada, assim tão debochada, assim e assadamente delinqüente e fada? Assim tão me emprenhadamente escusa, tão ilesamente me entranhada? Quem é você? Você é quem? Um quem qualquer ou um exato fantasma que me habita e horroriza, um ninguém que de viés vi em um relance de alguma esquina? Quem é você? É a respiração ou a asma? É confirmação ou cisma, bonança ou cataclisma, a vida plena ou a morte implícita? Você é a renomada quem? Você é a célebre anônima? Você é a virtuosa do além, a consoante ou a tônica?
Quem é você pra quem escrevo, a quem me revelo, a quem sobrecargo com contêineres de secretos jamais revelados? Quem é você que me é doce, me é suave, me é feitor, me é azinhavre; é mel da mesma abelha que me aferroa, fel da mesma ave que me leva aos ares, reles, mesquinha, medonha, mescla do céu e da terra, mixta de céu e inferno, chispa de ouro do sol e de prata da lua, quem é você, coisa minha ou coisa tua? Você é quem não responde. Eu sou quem interroga.
Quem é esse você, repleto de vocês? Quem é esse meu eu, que ainda pergunta?

marco/15.08.2009.

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