terça-feira, 18 de agosto de 2009

ESPELHO, ESPELHO TEU!

Humildemente peço emprestado teu espelho.
Tomos e tomos que lesse não encontraria, bem sei, o que estou prestes a ver nesse vidro de aço, onde a vida faz passarela e não há mais tempos vividos pois todos os átomos se refazem em ciclos: presentes, passados, futuros, tudo desfila um enredo que não dá fuga à face: quer ver nos meus olhos bem mais que a flor do narciso.
Ordeiramente me posto rente ao teu espelho, quero refletir. No seu colo eu sou um romeiro frente ao seu senhor: só sentimento. Quero me sentir, me desmentir, me escoicear de verdades, como se as soubesse. Mas quando olho em teu espelho vejo tardes que noiteam, embora nas janelas dos meus sentimentos o dia seja sol a pino, eu destemido no pico do everest. Eu sucumbido no fundo do mais fundo abissal da fossa das filipinas ainda roço a vista em teu espelho e enxergo toda festa e cada chacina, cada métrica e toda desdita que amar nos reserva. Mas eu, só, quero refletir.
Humanamente me instalo nesse emprestado espelho. E dá-se que, aí, viro uma assombração de mim mesmo. É porque não me cabe o espaço que é próprio pra ti, justo pra ti, corpo inteiro. É que propriedade, justiça e justeza são coisas que aprendi contigo, espelho, a bem junto de mim trazê-las. Sei de cor que estilo e estilete são duas coisas bem diferentes. Sei de cor e alternado os ritmos de todos os tangos, de todos os mambos, de todos os mantras, de todos os sambas, sei côr por côr todos os arco-íris mais sangrados, as minúcias de meus amores homicidados, sei que não sei salvar o condenado e executar o carrasco.
Amadamente te percorro a superfície e encontro poeiras, pólens, luz de mim emprestada, e uma tabula rasa que de mim ainda teima em exigir respostas e propostas e metáforas ignóbias que me levam a nada mais do que me exibir em chagas e logo após te ceder um véu, leve ou espesso, breve ou eterno, frágil ou pesado, inferno ou céu pra ti - coiso gelado, espelho que não é meu - para que você mesmo se mire e acerte no alvo, e talvez, a este tempo já calvo, se admire.
Espelho, espelho teu, serás sempre admirável!


marco/18.08.2009.

Um comentário:

  1. me diz, poeta, de onde vem essa seiva, tantos líquidos, tanta lágrima, suor, esperma? de que nascente brota tanta urgência, de que filete surge essa filigrana, pequeno nervo exposto, como jóia em caixa de veludo, como raro diamante perdido entre areias da bateia?
    responde poeta, de onde essa água que te banha, que te amorna o corpo ardente em febre?
    sussurra em meu ouvido: em que águas se liquefaz o seu desejo?

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