quarta-feira, 8 de julho de 2009


SISO

Preciso me livrar de meus vícios. Necessito me ver longe de drogas. Inclusive de você. Inclusive de palavras. E frases. E textos. E receitas e fórmulas e rezas e estribilhos e terços e bilros e teias e tramas e urdiduras e conversas moles.
Preciso ser preciso: exato e pontual como a bebida para aquecer no pólo e o vômito para curar nos trópicos.
Necessito ser necessário: a postos na sentinela de minha insônia, no abandono sem apuros de quem dorme o sono dos justos.
Careço de carinho próprio, de amor próprio, de sexo próprio: tenho que ser meu proprietário. E habitar em mim. E me alugar a mim. E me faxinar, esfregar os chãos, lavar as vidraças, encaixar as telhas vãs, testar a campainha, o interfone, o telefone sem fio, o celular, o tambor de mensagens, a fogueira de fumaças. E acessar email, orkut, twitter, flickr, msn, my space. E desligar a cerca eletrificada. E tomar um banho de chuva para descarregar.
Preciso me livrar. Me ter livre. E não mais me condenar. Nem a ninguém. Nem mesmo a você. E olhar para o céu e sentir que, meia volta, volta e meia, ele é azul de um éter que bem vicia, que é também cinza e negro de uma fogueira pós pôr do sol que me arromba os tímpanos com seus trovões.
Necessito querer. Querer bem, muito bem, querer ótimo. Até mesmo você. E aprender que querência e carência são vizinhas de fonética mas quanta distância em suas significâncias!
Careço conhecer: da fruta o caroço, do animal o osso, da água o poço, do cantar o alvoroço, no velho o moço, no mel o salobro, no sal o saboroso; do amor o rosto, o fosso, o monstro, o desgosto. E todas as mais possíveis rimas raras, mancas ou ridículas.
Devo traçar planos de vôos e viagens, reais ou imaginárias, por qualquer meio de locomoção. Devo fazer cartas e ligações, letais ou impagáveis, através de quaisquer meios de comunicação. Devo gerir gerações de ações pró mim. Pró eu. Sem agir com você. Devo, não nego, pagarei se acaso um dia eu puder. Se tiver o poder. Se estiver no haver. Se vier a ser. Se tiver a ver.
Por enquanto, é siso iniciar por um se...


marco/08.07.2009.

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